Cerca-se os terrenos comunais

[Fragmentos de filosofia proudhoniana]      

(...) O proletário é expulso das florestas, dos rios e das montanhas: até mesmo os atalhos lhes são proibidos e logo conhecerá apenas os caminhos que o levam à prisão[1].

Os progressos da agricultura fizeram sentir geralmente as vantagens das pradarias artificiais e a necessidade de abolir a vaine-paturé[2]. Por toda a parte desbrava-se, arrenda-se e cerca-se os terrenos comunais[3]: novos progressos e novas riquezas. Mas o pobre diarista que tinha como único patrimônio os bens comunais e que no verão alimentava uma vaca e alguns carneiros fazendo-os pastar nos caminhos, nas moitas e nos campos segados perderá o seu único e derradeiro recurso. O proprietário rural, o comprador ou o arrendatário dos bens comunais, serão agora os únicos a vender, com o trigo e os legumes, também o leite e o queijo. Em lugar de enfraquecer o antigo monopólio, criou-se um novo. Até os calceteiros reservam-se as margens das estradas como um prado que lhes pertence e expulsam de lá o gado não administrativo. O que resulta disto? Que o diarista, antes de renunciar à sua vaca, comete contravenção e a faz pastar clandestinamente, entrega-se à rapina, comete mil estragos, faz-se condenar às multas e à prisão: de que lhe servem a polícia e os progressos agrícolas? No ano passado a prefeitura de Mulhouse, para impedir a rapina das uvas, proibiu a todo indivíduo não proprietário de vinhedos de circular, de dia ou de noite, pelos caminhos que circundem ou que cortem os vinhedos: precaução caridosa, pois prevenia até mesmo os desejos e os arrependimentos. Mas se a via pública nada mais é que um acessório da propriedade, se os munícipes convertem-se em proprietários, se o domínio público, por fim, assimilado a uma propriedade, é guardado, explorado, arrendado e vendido como uma propriedade, o que resta ao proletário? De que lhe serve o fato de a sociedade ter saído do estado de guerra para penetrar no regime de polícia?



[1] PROUDHON, Pierre-Joseph. Quarta época - O monopólio (Capítulo 4). In: PROUDHON, Pierre-Joseph. Sistema das contradições econômicas ou filosofia da miséria. Tradução J.C. Morel. São Paulo: Ícone, 2003 (Coleção fundamentos de filosofia).pp. 404-405.

[2] Esta expressão, que não conseguimos o equivalente em português, significa literalmente pastagem vã e indica o antigo direito camponês de se deixar os animais pastarem nos campo de cultivo, uma vez realizada a colheita; o benefício seria duplo: o dono do animal economizaria a ração e o do no do campo ficaria com o esterco.

[3] Proudhon refere-se aqui a um processo típico da implantação da agricultura capitalista no campo europeu, onde havia o uso imemorial das terras francas pela comunidade camponesa, em oposição às terras senhoriais  aos lotes de posse individual; estas terras, geralmente de propriedade da aldeia, sendo de grande valia para os pobres. No começo do séc. XIX, começa um processo de apropriação destas terras pelos grandes proprietários através de seu resgate da prefeitura. Uma vez assim adquiridas elas passavam a ser de uso privado e os pequenos camponeses ficavam muito prejudicados por não tinham mais como a alimentar suas vacas e sues pastos nem como plantar hortas ou obter madeira, sendo, pois, forçados a proletarização. 

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